Música que move corações: Tigers Jaw, Brvnks e Miêta.
Nossa história começa em São Paulo, onde, por volta das seis da manhã, 3 caras e uma garota se preparam para encarar a Fernão Dias e pegar 8 horas de viagem (e mais algumas muitas em engarrafamentos) até Belo Horizonte, onde se apresentam pela primeira vez logo mais à noite. Na bagagem, guitarras e uma bolsa com o “merchan”: camisas básicas pintadas com um simbólico desenho feito pela vocalista Bruna Guimarães. Sabem bem eles que a grana extra que geralmente entra com as vendas é uma ajuda e tanto para bandas independentes não tão independentes assim.
Em Belo Horizonte, Merlin, o produtor do show local pela Deserto Elétrico é pura ansiedade à frente da porta da Autêntica. Não cria expectativas quanto ao público, em pleno feriado de finados. “Vendemos 200 ingressos”. Ao que alguém subitamente comenta: “mas a capacidade da casa é para quantas pessoas”? No que ele responde, 800, mas o público de hoje tá bom”. A primeira das 3 bandas começaria a tocar em meia-hora, enquanto manos e minas lentamente se acumulavam na portaria, ou para tragar, ou para flagrar o movimento.
Da zona sul de BH chega a van da banda principal. Os gringos do Tigers Jaw, de tão cansados do rolê pelo país afora, exigiram que o show começasse mais cedo: 23h, contrariando o que dizia o anúncio, de início às 21 e fechamento às 3h30. O líder e vocalista é o primeiro a sair da van, indo direto para a casa noturna. Esmoreço um pequeno “hi”, ele corresponde friamente no mesmo tom: “hi”. Já a mulher dos teclados ignora a existência de todos e nada mais faz do que correr para dentro, ela e seus cabelos curtos e lisos, levemente coloridos.
Ao relento da Savassi, um bando de garotas se abraçam e se beijam, e o amor resvala. Trata-se da compenetrada banda de abertura, Miêta, novamente se apresentando na casa, mas dessa vez com a expectativa de tocar faixas do novo e aclamadíssimo álbum: “Dive”. Cumprimento a minha colega Bruna, guitarrista de mão cheia munida de uma imponente capa contra o frio. Afável, ela diz que bom que você veio ao nosso show pela primeira vez.
Dentro da Autêntica, todos iríamos testemunhar o evento que mudará para sempre a cena underground brasileira, demonstrando toda a paixão de músicos talentosos e jovens que, ainda doentes, não se furtam a encarar o público e a anunciar o trabalho mais novo no bandcamp. Músicos que topam tocar 40 minutos muito mais pelo prazer de estarem em cima do palco, fazendo o que mais amam.
Nesse 2 de novembro, a música moveu corações.
Show 1: Miêta
A primeira impressão que se tem ao assistir a um show das mineiras do Miêta é: essas pessoas nasceram tocando música. É incrível como os instrumentos se tornam extensão dos corpos que em cima do palco deslizam o doce e efusivo som do indie. Marcela, a vocal e baixista, toca como se estivesse em casa, para meia dúzia de amigos, tamanha a naturalidade. A segunda impressão que temos é de que talvez nunca mais consigamos nos aproximar desse quarteto de 3 mulheres e 1 cara novamente. Serão engolidos pelo mainstream, questão de tempo, mas duvido muito que percam a identidade e, principalmente, a identificação com o público cativo que levam aonde quer que vão.
Show 2: Brvnks
“A Bruna é foda”. Quem me confessa é o próprio baterista e manager para todas as horas do Brvnks, Edimar, enquanto toma sua Heineken e filma o principal show da noite, disfarçado numa touca. Horas antes, a Autêntica seria hipnotizada pelo Brvnks, ou melhor, pela goiana Bruna, cuja beleza tímida se confunde com o talento que tem para escrever canções pop que divertem e emocionam na mesma dose. Doente na ocasião da sua primeira visita corrida à BH, não pode extravasar, mas, segundo Edimar, se estivesse de boas certamente iria para o gargarejo, pulando entre a galera. O Brvnks é uma banda que nos leva a querer gravar o show inteiro, só de recordação e para ver o que a sarcástica vocalista diz entre uma canção e outra, para provocar os colegas.
Show 3: Tigers Jaw
A responsabilidade do headliner da noite não poderia ser maior: fechar os shows eletrizantes de Miêta e Brvnks. Como não tinham no cast o apelo carismático de uma Marcela ou de uma Bruna, o jeito foi investir no bom e velho college-rock, desfiando influências como Husker-Du e Big Star para uma audiência que até mesmo viria a improvisar um mosh no reduzido espaço. Os americanos do Tigers Jaw estavam a quilômetros de casa, mas em casa, definitivamente. Conseguiram um feedback tão grandioso do público que a falta de energia apresentada antes de subir ao palco acabou revelando 5 garotxs em plena forma. Que voltem mais vezes e nunca mais saiam da minha playlist.
E enquanto o palco enchia de som e fúria, na plateia, músicos da cena local se encontravam e reencontravam. Como numa seita dedicada aos deuses do rock, mal adentravam a casa e já se punham a balançar cabeças, de forma que pareciam ter sido ungidos pela força da música.
Que eu tenha notado, estavam ali, de corpo e alma, artistas como Roboto, Young Lights em peso e grande parte da Geração do Rock triste, integrantes de Elizia, Evil Matchers e tantas outras que transformam a cena em realidade. E, consequentemente, todos cúmplices da noite em que o rock de Minas se integrou a Goiânia e São Paulo e caiu de cabeça na Pennsylvania, demonstrando quanto é curta a distância dos que realizam o que gostam, para quem realmente gosta.
E terminamos nossa matéria no Rock and Hostel, onde um Brvnks esgotado se prepara às seis da manhã: terá que encarar um longo caminho de volta até São Paulo, a tempo de a Bruna poder ir para o trabalho. Cansaço? Meu palpite é de que é justamente ele é o maior alimento da alma dos que tocam por amor.
Dia 2 de novembro. Tigers Jaw, Brvnks e Miêta. Uma data que ainda reverberá por muito tempo.
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