O dia em que o rock nos contratou
Tudo começa com um verdadeiro dilúvio. Bem, que dezembro é o mês dos temporais em BH, não é novidade. Mas a chuva forte desse sábado, em questão, teve hora certa para cair: exatamente no momento em que o Garagem Rock Bar abriria as portas para a chamada Melhor Festa de Fim de Ano de Todos os Tempos. O aguaceiro era tanto que me concentrei no GPS rumo ao Bairro Dom Bosco, patinando pela correnteza que era drenada por bueiros abertos no Minas Brasil, e não percebi que o evento teria sido adiado para mais tarde.
Horas mais cedo, um pequeno áudio de Whatsapp me faria mudar de ideia quanto ao roteiro de mais um sábado de puro comodismo. Caminhada o cachorro, Compras, almoço, cerveja, saída com a mulher, cama. Mando um áudio para o Breno, da Roboto, dizendo que era para ele pagar uma cerva para o Victor, da Evil Matchers, que havia citado a banda dele como o grande destaque de 2017. Breno coloca o próprio Victor na “linha”: “Vai colar com a gente aqui Marcos? Já estamos ralando“. Era meio-dia. E as bandas já estavam unidas, preparando o local do show.
A partir daquele momento, percebi que a filosofia Do It Yourself, tão alardeada nas dezenas de programas Rock Cabeça da Inconfidência, era algo concreto. E funcionava para manter a cena viva, o rock oxigenado e, principalmente, todos esses jovens obstinados. Não cabe aqui a figura do rock star rebelde, mas do cara que trabalha o dia todo, a semana inteira, mas faz do fim de semana – ou o dia que for – uma oportunidade para tirar os sonhos do papel e deixar um monte de gente feliz com música boa. A contra-cultura dividindo espaço com long-necks e tira-gostos.
Ao me refugiar da chuva no Garagem Rock Bar, instantâneamente me senti em casa diante dos inúmeros cartazes de shows afixados nas paredes. Adesivos e pôsteres de Radiohead, entre outras bandas com as quais cresci e evoluí completavam o ambiente. Porém, na minha cabeça, uma voz insistente (que se transfigurava na voz da minha mulher): só tem você aí, o que está fazendo? Vai pra casa. Mas aquele áudio do Whatsapp não me deixava em paz. Estava ali por algum motivo que me fugia, e que era bem maior que eu.
À medida que os músicos iam chegando, a mística do músico bombadão que se embebeda para pegar novinhas também foi por água abaixo (literalmente). O que eu vi foram trabalhadores cientes da oportunidade que tinham em mãos, cuidando do local como se estivessem em suas próprias casas. Fosse com o rodo para secar espaço para mais convidados, fosse com o equipamento, esse então uma demonstração cabal de que a união fazia a força – e a festa: bateria da Evil Matchers e os demais instrumentos da Roboto.
Enquanto isso, o “merchan” era um show à parte. Com uma mesa improvisada, cds demo, adesivos e camisetas eram dispostos, e não só das bandas que se apresentariam no local. Drinks e peças de design desfilavam pelo pequeno espaço, enquanto jovens jogavam sinuca e, sim, esperavam pelo show dos seus artistas belo-horizontinos preferidos. Aqui é hora de derrubar mais uma mística: a de que novinhas e novinhos só pagam ingresso para casas de show da zona sul e para ver cantoras pop. Tem muita gente que valoriza rock feito com amor e dedicação. E são para elas que tudo é feito. Elas são o motivo de ser do “Faça Você Mesmo”.
Com o deadline de shows marcado para as 23h (que era para não incomodar os vizinhos), Roboto abriu a trinca de apresentações, que ainda contaria com Elizia e Evil Matchers (um verdadeiro parque temático punk). E foi nesse momento em que tudo fez sentido e se encaixou. Vi Breno, um cara de 39 anos, um desses que a gente vê todos os dias no ponto de ônibus e pergunta a hora, transformando-se em um atípico front-man em poucos segundos. “Essa é a melhor festa de fim de ano de todos os tempos, porrrrra!!!”
Estava dada a ordem: diversão. E o combustível? Música. E os acordes daquele power trio ainda irão ressoar por muito tempo, levando sonho, fé e atitude para todos que acreditam no corre. Naquela tarde chuvosa de sábado, em meio a uma avenida à qual eu costumava ir para exames admissionais e demissionais para empregos chulos, o rock finalmente me contratou. Podem me passar um rodo.