A utopia brasileira de David Byrne
Ato 1 : Inhotim.
Quem teve a sorte de visitar o museu de Inhotim na última sexta-feira, certamente esbarrou com um dos artistas mais inovadores dos últimos anos. Parece óbvio em se tratando de um dos maiores museus a céu aberto do mundo, mas no caso estou me referindo David Byrne e sua trupe que, animadamente, conheceram todas as instalações do Inhotim, das caixas de som enfileiradas da chegada à fonte estrobótica no meio do mato. Empolgado, Bobby Wooten, o baixista da banda de mais de dez músicos de Byrne adotou o Brasil como mais novo país preferido e, quando perguntado o que achou do público brasileiro em todas as cidades que receberam a tour de “American Utopia”, Wooten é certeiro: “Amei cada uma delas“.
Ato 2: Quem é David Byrne?
Era nítida a má-vontade de quem não era “velho” suficiente para se lembrar de quando os Talking Heads simplesmente dominavam o mundo. David quem? David Bowie? Que música ele toca?
No que só nos restava recorrer ao clássico mais desgastado de todos os tempos, né Selena Gomez (que recentemente a regravou em versão totalmente deturpada):
– Fa, fa, fa, fa, fa, fa, fa, fa….
Ah, sei. Mas só tem essa música?
Não, não adiantava cantarolar clássicos como “Burning down the house” (tampouco sua brilhante versão de Tom Jones e Cardigans), muito menos “This Must Be the Place” e “Wild, Wild Life”. Culpa de não sei de quem, a verdade é que Talking Heads é amplamente desconhecido pela esmagadora maioria do público que hoje não pensa duas vezes em comprar um ingresso de R$600,00 para um enésimo show do Foo Fighters.
Ato 3: Vamos ser cools
Nessa onda de “quem é David Byrne”, um novo fenômeno surge. O de que David Byrne é O cara, mesmo desaparecido há mais de dez anos e embolado no meio de um lineup que incluiu Pearl Jam e O Terno (que inclusive chegou a fazer uma parceria com o cantor). Qual não foi a surpresa quando o mesmo cara apresentou um show totalmente inovador, como se estivesse filmando clipes ao vivo, em pleno sol desgraçado do Lollapalooza?
Assim fica muito fácil ser cool e apontar David Byrne como o mais injustiçado dos astros pop dos últimos decênios. Até porque foi ele a única atração do Lolla Parties a chegar a Belo Horizonte, deixando aquele gostinho amargo de quem queria assistir Liam Gallagher falando “uai”.
Ato 4: O show é muito bom mesmo
Enquanto a idolatria come solta no showbizz com Eddie Vedders fazendo malabarismos e moshs, David Byrne aponta o caminho oposto. E que deveria ser o único caminho a ser seguido: o da performance. Na apresentação (ou seria coreografia?) o que menos importa é David Byrne e o que mais se sobressai é a música. Como se todos os músicos (não por acaso trajados iguais, impossível não lembrar do terno de “Stop Making Sense”) se incorporassem em uma entidade, uma entidade que oferecesse uma performance de alto nível. Carreira-solo, Talking Heads, covers. Não importa. Ali, cada canção tem um sentido de ser e estar ali, encadeada no set list. E por isso não adiantou espernear por “Psycho Killer”. O tema de “American Utopia” é outro: a omissão do partido Republicano, o descaso em relação aos imigrantes, a América como uma casa em chamas.
Ato 5: Marielle Franco
Além de não ser dado a estrelismos de qualquer classe, David Byrne tem ligação forte com o Brasil. Não só por ter gravado com Caetano Veloso, flertado com Arnaldo Baptista “n” vezes e selecionado a dedo os artistas de abertura de sua tour por aqui, como Karina Zeviani, ex-Flor de Sal. Mas é que Byrne é um escocês que, de fato, sente-se bem aqui. E adora turismo ecológico (já escreveu um guia sobre como andar de bicicleta em Nova Iorque). Portanto, não é de se espantar que tenha adaptado uma cover de Janelle Monaé para homenagear vítimas brasileiras trucidadas pela atual conjuntura sócio-política, como Amarildo e Marielle Franco:
Um final emocionante para um cara difícil de alcançar. Sim, música pop pode ser consciente e …. cabeça. Faltou “Psycho Killer”, esperada em pelo menos um dos 3 bis em Belo Horizonte, show derradeiro da perna brasileira da tour? Talvez. Mas no final das contas, ninguém mais estava sentido falta. Até a próxima, David Byrne!
E você? Também foi a algum dos shows de David Byrne no Brasil? Conte o que achou!