Um mundo pequeno demais para Ritchie
Quem nunca foi fã, mas ainda assim teve a iniciativa de comparecer ao show único do cantor-compositor Ritchie no Palácio das Artes em Belo Horizonte no último sábado (16/03) certamente saiu com o pé atrás. Afinal, quando pensamos no autor da melosa “Menina Veneno” (que faz 40 anos tendo marcado a era de ouro das novelas brasileiras e das FM’s), logo surge a taxação pejorativa de “one hit wonder”.
Porém, ao fim do show que reuniu 18, isso mesmo, 18 músicas entre autorais e covers, com um punhado de hits que inevitavelmente tocam direto na memória afetiva de qualquer brasileiro vivo há pelo menos 40 anos, o único pensamento possível é de que talvez o inglês que criou raízes brasileiras seja o mais injustiçado artista da história da MPB, pois seu repertório vai muito além de “Menina Veneno”.
Eu, que nem sabia que conhecia boa parte do cancioneiro “ritchieniano”, comecei a acreditar que esse cara de “70 anos de planeta e 40 de Brasil” (como o próprio se define), realmente tenha sido boicotado por Roberto Carlos em um momento crucial da sua trajetória. Relatam os críticos que, incomodado com o “fenômeno” Ritchie nas rádios, o principal nome da Jovem Guarda fez de tudo para levar o inglês ao ostracismo e assim parar de ofuscá-lo.
Após esse show, entendo o porquê da suposta atitude do Rei: a obra dos dois é, deveras, muito parecida. Em termos de baladas cheias de sacarose, um romantismo inocente revestido por letras aparentemente simples mas que tocam lá no fundo e uma embalagem que beira a música brega, tanto Roberto quanto Ritchie são campeões. E a qualidade das canções, arrisco, é o que explica um Palácio das Artes lotado, com ingressos esgotados, apesar de Ritchie musicalmente ter submergido há muito tempo (a ponto de ter que destacar seu maior hit no cartaz da tour).
A nova tour comemorativa de Ritchie, que percorre o Brasil, por sinal, tem produção honesta – e surpreendente – especialmente para quem foi com expectativa de ver um set list limitado a inúmeras versões de “Menina Veneno”. E teve de tudo: telão interativo, troca de figurinos, cenários customizados, uma água de coco fake e o grande diferencial: o “storytelling” de Ritchie entre quase todas as passagens de uma música para outra, que contribuía para o clima intimista desse revival.
Sim, galera, Ritchie não morreu e é, acima de tudo, um inglês boa praça, com senso de humor afiado, tremenda fluência em português (ele assume que cantar na nossa língua sempre foi um desafio) e uma elegância e cultura que espantam… Faz tempo que eu não vejo pelos palcos da vida alguém fazer referência a ninguém menos que Peter Gabriel.
Graças ao passe livre do meu amigo roadie das estrelas (olha ele aqui de novo) Lirinha, tive a oportunidade de ver o desenrolar de parte do show no backstage. E percebi um ambiente de tranquilidade e confraternização entre músicos contratados para a empreitada, alguns mais jovens que o hit da noite. De um lado para o outro, acabei me deparando com o próprio Ritchie – que me pareceu um sujeito tão simples e sem estrelismo que tive que forçar a memória para reconhecê-lo no seu novo visual grisalho. Verdadeiramente um gentleman que, pelo menos para mim, comprovou que a mistura cultural (amorosa) entre Inglaterra e Brasil é capaz de gerar muito mais que um abajur cor de carne.
O mundo é pequeno demais para Ritchie.
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