A noite em que eu (finalmente) senti os Lemonheads

A noite em que eu (finalmente) senti os Lemonheads

Começo por dizer que me encontro numa encruzilhada. Não é fácil sair impune neste relato quando, além de jornalista, sou fã e me considero, a essa altura, no mínimo um “buddy” de Evan Dando, a quem me acostumei a chamar de Ev. Isso significa que muita coisa permanecerá no sigilo em nome da boa convivência, mas certamente não significa que deixarei passar em branco aquela noite incrível ao lado do Lemonheads na minha cidade, isso, Belo Horizonte.  

O set list 

Pra começar, o set list do show, que, a poucas horas de subirem no palco, nem os demais integrantes da banda – Farley Gavlin (Baixo) e John Kent (Bateria) – sabiam ao certo, eles me confessaram. Talvez nem Evan soubesse. Fato é que foi decidido na última hora. E a opção foi por um time que já tinha ganhado o campeonato, ou seja, foco total nos seus dois álbuns mais populares: “It’s a shame about Ray” e “Come on Feel”, ainda que com um tímido “Fear of Living” no bis. 

Embora o show, em si, tenha transcorrido muito tranquilamente, com a banda dando um tom mais punk-rock para o chill-out agridoce de músicas como “My drug Buddy” e “Frank Mills”, além de resgatar as mais “desconhecidas” de Come on Feel para os die-hard fans como eu, por trás o elemento que favoreceu a logística da vinda do trio a BH foi justamente o que comprometeria o resultado técnico da performance. Resumindo, a banda não levou o seu rider, contando apenas com o aparato sonoro que a casa oferecia. E não que a casa tenha falhado em oferecer uma boa estrutura, tem muita gente legal e graúda que já toca no Distrital, mas talvez não tenha sido a estrutura mais adequada para uma banda da natureza do Lemonheads. 

Por mais que todos tenham se divertido com o 1,2,3,4 que embalava cada faixa super tunada dos dois álbuns, foi meio que impossível não notar, com certo constrangimento, a quantidade de choques que Evan tomava ao tentar se aproximar do microfone. E olha que ele estava num ótimo dia, e em respeito ao público – e, tenho certeza, até à minha cidade – ele insistiu até não aguentar mais, deixando algumas faixas de fora do setlist, incluindo a nova “Fear of Living”. Cantar enquanto se é eletrocutado não é exatamente uma forma divertida de encerrar a noite, e Evan foi embora mais cedo, extremamente frustrado com o ocorrido. Uma pena que deixou de conhecer colegas como Lelo ex-Skank (em noite de anotar meu contato pra me mostrar projeto novo), a Jade Baraldo (em busca de padrinho indie) e até o deputado estadual roqueiro Gustavo Valadares. Todos com uma senha imaginária nas mãos. Fica pra próxima?      

Bastidores 

Foi uma sexta-feira intensa que começou comigo na Feira dos Produtores comprando cachaças e doce de leite para dar de presente para a banda. E com negociações de última hora para entregar camisas da Galoasis para o nosso rockstar – a mesma que um dia seu parça Noel Gallagher recebeu por aqui pelas mãos dessa torcida genial. Na rádio, tratativas para uma exclusiva com Evan que não decolaram em função do bate-volta que caracterizou a data em BH. Findo o meu expediente, corri para o Distrital – “once in a lifetime” opportunity, como diria o Eminem. 

Aguardei a banda do lado de dentro, pouco antes da entrada do Distrital. Repentinamente escutava a voz brincalhona do Evan chegando pelos corredores. Assim que me viu, com sua característica touca rosa, me saudou com um “Ei Marcus (ele se esforça para dizer com “o”), estamos na sua cidade”, que eu respondi com um longo abraço. Com ele, sua mini-comitiva paulista, noiva Antônia e novo Lemonheads. Meio surpresos, Farley e John tentavam descobrir quem era aquele obeso feliz, e também não tinham muita ideia de onde estavam. Com uma garrafinha de cachaça nas mãos, John, que é de Nashville, perguntou: “é isso que se toma aqui?”, sim, “cachaça” estamos em Minas Gerais (uma espécie similar a Nashville na minha opinião). 

Sentamos todos para bater um papo enquanto quase que automaticamente Evan me mostrava no pequeno Iphone que ganhou da mãe toda a série de pinturas que ele havia acabado de fazer. O curioso é que ele sempre me mostra cada uma delas com tanta alegria que é como se ele redescobrisse naquele momento a sua arte. Em pouco tempo ele pula das artes plásticas para as fotos aleatórias. Enviá-las a esmo é outra atividade que ele adora e da qual reclamei que sinto falta. [Evan gosta de enviar imagens aleatórias nos celulares de quem conhece – deixando para nós o enigma por trás delas. Às vezes um posto de gasolina, uma memória de infância ou parte de um dos seus 3 gatinhos].    

Impaciente, Evan abre meus presentes: numa golada ele acaba com a cachaça que, para quem não sabe, tem um “ardor” peculiar que dificulta na hora de tomar. A garrafa é em formato de caveira e peço que ele cante um trecho de “Skulls” (Misfts). Legal saber que, como um cara cheio de princípios do tipo que se recusa a usar Whatsapp, Evan também não curte usar camisetas alusivas a times de futebol, como o caso da Galoasis, mas não se furtou a uma pose. Afinal, é um bom dia para ele e todos ao seu redor, como já disse antes. Sabe, uma coisa inerente ao Evan, pessoa, não o artista, é que ele é uma companhia muito agradável, brincalhão, adora contar causos e, quando confia em você, não hesita em ser direto – apesar de terno – em todas as suas respostas. 

No camarim 

Adentramos a noite e, na maior cara de pau que o álcool alguma vez me permitiu, decidi passar um tempo no camarim com a banda, pouco antes do show. Ao abrir a porta, lá estava Evan sozinho, tomando uma bela de uma caipivodka. Conversamos sobre nada e sobre tudo. Filei umas Spatens geladíssimas que ele me deixou à vontade para pegar. O resto da banda entra. Farley com sua lanterna estilo “miner” no boné, procurando carregadores dentro da mochila, as bochechas rosadas e demarcadas pelos óculos escuros, bem típico dos gringos que se aventuram no clima tropical. Rimos do apetrecho. John no cantinho, revisando o set list da noite (e pra quem não sabe, ele tem uma sólida carreira no country-rock, não necessariamente como baterista). Aceita um drink, pergunto a ele, que afirma evitar beber antes de qualquer show a fim de manter a concentração. Além da geladeira lotada de latas de cerveja, postos à mesa estavam alguns vinhos que, até onde sei, nem foram abertos. Alô patrocinadores, querem contratar um show do Lemonheads? Melhor custo-benefício impossível! 

Come on feel the Lemonheads 

Olha, pessoal. Eu sou um cara que lida com a auto reprovação constantemente, nunca acho que as pessoas eventualmente possam gostar de mim somente pelo que sou ou faço. É uma luta constante que envolve escrever tudo o que faço em check lists diárias para que eu tenha a sensação de que sou competente. Mas pela primeira vez na vida, ali,escrachado no sofá do camarim ao lado de Evan pré-choque, totalmente sem assunto e com um inglês que milagrosamente não me deixaria na mão, realmente entendi o significado do título “Come on Feel the Lemonheads”: eu senti os Lemonheads, e me senti um amigo de cada um deles. E é essa sensação de consolo que cada música nos oferece que os torna diferenciados no mundo inteiro – e até os dias de hoje. 


Marcos Tadeu

Marcos Tadeu

Jornalista, idealizador e apresentador do Rock Cabeça na 100,9 FM, Rádio Inconfidência FM (MG) desde 2016. Acima de tudo, um fã de rock gringo.