Catuaba, paçoca e Aurora By Noon
Que nós, brasileiros, estamos espalhados por todos os cantos do mundo, não é nenhuma novidade. Mas o que me chama atenção a ponto de escrever este artigo é ter tido a sorte de encontrar um típico carioca, bem humorado e alto astral, em meio a austríacos, sisudos por natureza. Sim isso existe. Estou me referindo, ao guitarrista Max Nevez que acaba de ser integrado à Aurora By Noon – uma promissora banda de Classic-Rock com letras engajadas nas mais diversas questões sócio-político e ambientais, como é o caso do single de trabalho: “In the shelter of Mother Earth“.
Com um bem recebido álbum de estreia, “Black Crosses in the sun“, cujo título é inspirado nos conflitos entre Rússia e Ucrânia, o Aurora é liderado com mão de ferro pelo baixista e produtor Markus Sumereder, que também responde pela autoria das músicas. Foi dele a ideia de jogar o foco desta entrevista sobre o guitarra brasuca como forma de, segundo ele, “presenteá-lo” em sua chegada à banda a partir de um simples telefonema. “Um dia ele (Markus) me ligou e disse: “você realmente tá dentro?”. E aqui estou eu “sob o olhar sanguinário do vigia”, brinca Max.
Paçoquinha e catuaba
No entanto, a contribuição do brasileiro ao Aurora vai muito além de riffs bem pensados e uma performance quase teatral. Também envolve produtos típicos do nosso imaginário, como relata Max, que adora divertir os companheiros de banda com palavrões em português durante os ensaios.
Eu sempre levo para os ensaios uma caixa com umas 15 Paçocas e normalmente eu volto pra casa com a caixa vazia.
Max Nevez – Guitarra do Aurora By Noon
Sobre a banda:
Christian Keller Vocais
Claus Schossleitner Guitarra, Backing Vocals
Max Nevez Guitarra, Backing Vocals
Martin Leuchtenmüller Bateria
Markus Sumereder Baixo, Backing Vocals
2 5 Toques sobre o Aurora by Noon por Max Nevez
RC – Oi, Max! Como vai? Recentemente nós vimos a integração do Eloy Casagrande ao Slipknot, ou seja, músicos brasileiros são sempre bem cotados em termos de bandas gringas. Como aconteceu sua entrada no Aurora By Noon?
MN – Opa, tudo beleza. Eu conheci o Markus quando eu tocava num projeto chamado Disarm. Era um projeto onde a ideia era tocar alguns clássicos do rock da década de 90 em lugares pequenos numa atmosfera intimista. Nesse projeto, também estavam o Christian (vocalista) e o Martin (baterista). Durante os ensaios desse projeto, o Markus me mostrou algumas músicas do Aurora By Noon e eu me amarrei, tanto nas letras quanto nos arranjos. Depois de ouvir seus planos para o Aurora me coloquei a disposição para se caso ele precisasse de um guitarrista para os shows ao vivo que ele poderia contar comigo. Um dia ele me ligou e disse: “você realmente tá dentro?”. E aqui estou eu “sob o olhar sanguinário do vigia”.
RC – Pela experiência que você está tendo agora, é muito diferente tocar em uma banda gringa em relação a uma banda brasileira? Quais são os pontos em que você precisou adaptar não só quanto a sua performance, mas na questão do relacionamento com os demais integrantes?
MN – O processo de construção de um projeto está muito atrelado a como foi a construção do indivíduo como parte desse contexto, no nosso caso ser músico. Minha formação é teatral e para se levantar o espetáculo o conceito aristotélico de Início, Meio e Fim é fundamental para se entender como trabalhar com aquilo que é efêmero. Logo, tocar numa banda gringa que tem grandes ambições significa estar preparado para todas as fases que compõem um projeto. Ouvir e preparar as músicas em casa, executá-las de forma precisa no ensaio, propor ideias para os arranjos, cuidar do seu equipamento e trazer o lúdico ao palco na hora do show é dever de qualquer músico, seja ela de qual canto do mundo for. Em relação à construção das relações interpessoais elas acontecem de forma natural a partir do momento em que se percebe que um passo foi dado na construção do projeto. Não se cobra virtuosismo, se cobra trabalho e dedicação. Com essa ideia a cerveja depois do ensaio fica mais saborosa e, de gole em gole, as relações se firmam.
RC – O Aurora By Noon tem uma pegada bem Classic-Rock, resgatando letras que falam de questões humanitárias como …”Mother Earth”. Como músico recém-chegado à banda, qual foi sua impressão sobre o repertório, a qualidade das canções da banda?
MN – Como imigrante num país como a Áustria, o meu maior desafio era entender de que maneira eu poderia contribuir para questões que se apresentam como desafios para o sistema social daqui. Me formei em Pedagogia Social e hoje trabalho também com jovens, em sua maioria de origem imigratória. A relação que eu faço desse fato com o repertório do Aurora é que a mesma preocupação com futuro que está contido nas letras do Aurora eu consigo perceber nos meus jovens do centro juvenil onde eu trabalho. Nas letras você vai encontrar tanto fatos históricos, como essas guerras, catástrofes naturais, essa violência descontrolada que toma conta do mundo e, principalmente, o sentimento daqueles que terão de lidar com as consequências das péssimas escolhas que aqueles que controlam o jogo tomam.
RC – Pode-se dizer que Aurora ainda é uma banda independente, ou não? E quais as dificuldades você percebe nesse contexto, é difícil alinhar uma agenda?
MN – Essa é uma questão difícil de responder pois, já que estamos falando de BR pra BR, o jogo mal começou. Eu gosto muito de ler a obra de Zygmunt Bauman pois ele conseguiu descrever muito bem essa fase em que vivemos: Não existe mais uma fórmula. Tudo se tornou líquido no que se diz respeito a relações humanas. E ainda podemos dizer que os estereótipos já estão com seus dias contados, pois eu acredito que nada será definitivo. É difícil alinhar uma agenda? Talvez sim, talvez não. Como disse Caetano Veloso: “Tudo depende”.
RC – Você é o único brasileiro da banda. Já mostrou a eles um pouco mais da nossa cultura, música, gastronomia? E a saudade do Rio, como é lidar com ela?
MN – Tem duas coisas que, de uns tempos pra cá, eu sou obrigado a comprar pra banda quando vou ao Rio: A primeira é a Catuaba Selvagem; a segunda é a Paçoca. O Christian uma vez me disse que a Paçoca melhorou o seu rendimento vocal. Eu sempre levo para os ensaios uma caixa com umas 15 Paçocas e normalmente eu volto pra casa com a caixa vazia. E a Catuaba Selvagem, com aquele rótulo sugestivo, mereceu uma explicação maior de minha parte quando eu a levei pela primeira vez. Sempre tomamos uma taça antes dos ensaios. Alguns até arriscam um português de vez em quando. Eu sinto que eles se divertem também quando eu erro alguma coisa nos ensaios e expio a culpa com palavrões em português. Para um imigrante brasileiro é muito importante xingar em português. Funciona mesmo.
E então, você curtiu o som do Aurora By Noon? Conta para nós aí nos comentários!