Chorão: o último poeta do rock brasileiro
Em primeiro lugar, é preciso ressaltar: não importa se o filme traz ou não todas as devidas “tretas”, pontapés e socos envolvendo o frontman explosivo do Charlie Brown Jr (pois acredito que trouxe as principais). O que importa é que um filme tão bem qualificado que tem como tema o rock – seja ele com retoques de ska, hardcore ou rap – esteja sendo lançado nos dias de HOJE, no Brasil.
E destaco o “HOJE” justamente porque os grandes compositores de rock desse país sumiram quase todos, o que faz com que Alê se junte – tragicamente, também é verdade – ao seleto grupo dos que viveram intensamente esse gênero, como Renato Russo, Raul Seixas e Cazuza (este último, de quem o skatista se assemelha mais).
Um cara com a potência produtiva de um Chorão é artigo raro no mercado fonográfico brasileiro, quiçá mundial. Vivemos numa indústria que pasteurizou até mesmo as composições, ou seja, qualquer artista de relevo, e não necessariamente “bom”, tem à sua disposição um time graúdo e graduado de compositores contratados para colocar um ou dois hits na playlist do Spotify e na lista de indicados do Grammy. Se Post Malone consegue a projeção que tem com a ajuda dessa indústria, imagina o que não faria um Chorão se vivo estivesse conosco.
E foi, penso eu, essa ebulição criativa constante que acabou consumindo a cabeça do nosso marginal alado, força-motriz do Charlie Brown Jr. Pois ninguém cria tanto, e tão bem, com impunidade por muito tempo. Há que se leiloar ao menos parte dos seus próprios problemas, amigos, familiares e afetos. Alê, quando compunha, era muito mais que intenso (adjetivo que é repetido a todo instante pelos cabeças falantes deste doc jornalisticamente impecável): ele beirava a perfeição. Um dos poucos de sua geração que conseguia extrair, em forma de letras e acordes, a exata sensação do que era ser jovem, culto e sensível em um mundo corrompido pelo poder e dinheiro.
Não, eu confesso que nunca fui um verdadeiro fã de Charlie Brown Jr quando podia ter sido, no auge da carreira deles. Afinal, lá pelos idos de 1998 colegas de faculdade veneravam a trupe desse marginal, e eu me sentia tal qual o “playboy” que ele gostava de demonizar. Além disso, eu preferia me ater a bandas mais comportadas – e gringas – como Weezer e Smashing Pumpkins, mas volta e meia eu percebia que o repertório do Charlie Brown Jr incluía até mesmo fragmentos extraídos das bandas que eu curtia. Como num processo de antropofagia, Chorão as transformava em algo próprio, na cadência de uma manobra em pistas de skate. Chorão era um rolo compressor, o verdadeiro teen spirit da chamada Califórnia brasileira, que era como Santos ficaria conhecida em função da semelhança com o estilo de vida do litoral estadunidense.
Também por isso esse documentário, dirigido sem afetações que costumam danificar o gênero por Felipe Novaes, tenha tanta significado ao ser lançado nos dias atuais, de música feita por logaritmos: em cerca de 1h30, podemos rever e reconhecer o legado do nosso último poeta do rock brasileiro, relembrando a riqueza construtiva das suas principais canções, e nos dando conta do tamanho da tragédia que culminou com a morte dos dois principais integrantes do Charlie Brown Jr. Uma tragédia que reverbera até hoje, no medo que atuais artistas roqueiros, não só daqui, costumam ter de botar pra fora, em forma de letras e presença de palco, os demônios que os atormentam. A sorte é que, no quesito coragem, as mulheres não têm deixado a desejar… mas isso é papo para outro artigo.
Onde assistir “Chorão – Marginal Alado”
O documentário Chorão – Marginal Alado , já está disponível nos cinemas e em algumas plataformas digitais, como NOW, Google Play, Apple TV, Vivo Play, Looke e YouTube. Para assistir a partir do serviço de streaming um valor a parte é cobrado do usuário.
E você, já assistiu ao filme do Chorão? Conta pra nós o que achou nos comentários.