Direitistas do Rock: quem são e o que pensam?

Direitistas do Rock: quem são e o que pensam?

Em recente entrevista ao Rock Cabeça, Martin, guitarrista da Pitty e da banda Triplx, já apontava que o grande mal do rock atual era justamente a onda de reacionarismo e preconceito que invadia o estilo. “O rock de hoje deixou de se identificar com a galera das quebradas“, pontuou. E, na sua opinião, você acha que o rock feito no Brasil e no mundo está mais ou menos “direitista”?

É bom ficar claro que nosso intuito, com este artigo, não é demonizar quem pensa e age diferente do que é esperado numa cena que tem a liberdade, rebeldia e contestação como alicerces. Jamais. Tal como já fizemos uma lista dos músicos que se opõem a Bolsonaro neste site, agora é a vez da galera da direita, muitas vezes taxada de “reaças do rock”. Vamos lá?

Eric Clapton

No que pese sua contribuição para o rock and roll mundial, Eric Clapton não precisaria mais dar satisfação a ninguém sobre seus posicionamentos, até porque, ultimamente, suas condições de saúde têm degringolado. No entanto, o autor de pérolas como “Layla” e “Tears in Heaven” surpreendeu meio mundo ao se colocar no lado oposto aos que defendem a vacina e o distanciamento social contra a covid-19. O músico chegou inclusive a ser boicotado por seus próprios colegas, o que, mesmo assim, não foi suficiente para que ele revisasse sua postura.

Morrissey

Assim como Eric Clapton, Morrissey dispõe de créditos suficientes na cultura pop universal para não precisar dar satisfação a ninguém sobre suas polêmicas declarações políticas – até porque ele mora nos Estados Unidos, e não na Inglaterra (alvo principal da sua ira). Por sua coleção de pérolas disparadas, o ex-The Smiths já foi acusado de racismo e chegou a dizer que Adolf Hitler era de esquerda. Sobre a exploração do seu nome em manchetes, certa vez ele disse, em show que compareci na sua residência da Broadway, em 2019, que a imprensa britânica era obcecada por ele.

Johnny Rotten

O posicionamento de extrema-direita de Joãozinho Podre talvez seja o que mais pegou os fãs de surpresa. Afinal, o cara fez seu nome numa das bandas de punk-rock mais lendárias do planeta, o Sex Pistols, na qual cantava “God Save The Queen, she ain’t a human being“. Em 2020, pré-eleição americana, Rotten causou polêmica – e muitos embrulhos de estômago entre a sua base de fãs – ao declarar que Donald Trump era a “única esperança”.

E no Brasil?

Exemplos no Brasil são o que não faltam…. Não é surpresa para ninguém que temos, por aqui, Roger, do Ultraje a Rigor encabeçando desde sempre a listagem de roqueiros que tanto contribuíram para a história do rock brasileiro quanto para o arsenal de declarações polêmicas (e infelizes, dirão os críticos). Recentemente, Roger foi condenado pela 12ª Câmara Cível do Rio de Janeiro a pagar 100 mil reais para a artista plástica Adriana Varejão, pela publicação de ofensas misóginas contra Adriana em 2017, época em que ela defendeu a permanência da exposição Queermuseu em Porto Alegre. Na ocasião, Roger usou uma foto de Adriana como base e desenhou cruzes em seus olhos e um pênis em direção à sua boca. O músico também escreveu p**a na camiseta da artista.

Já quem tem resistido a ser enquadrado em um espaço antes dominado com folga por Roger é Digão dos Raimundos, banda que também já deu uma gigantesca contribuição ao nosso BRock. Ao ser chamado de “roqueiro reaça” em função de declarações conservadoras por Pe Lu, Digão reagiu em suas redes sociais: “Quem são vocês Pe Lu, Tico Santa Cruz, João Gordo e Lucas Silveira [guitarrista e vocalista do FRESNO]e mais todos os PELA SACO que me chamam de ‘roqueiro reaça’. Se vocês não despertam esse sentimento desse fã aqui através de sua música”. O engraçado é que, na contramão, seu colega da banda, baixista Canisso, já criticou Rodolfo Abrantes (ex-vocalista) por apoiar Bolsonaro.

2 4 Toques com Eduardo Ladeira, muso da Lobos de Calla

A única ressalva do músico mineiro Eduardo Ladeira, um dos melhores compositores de pop-rock desse país, antes de responder 4 perguntinhas polêmicas foi que suas respostas saíssem na íntegra. Aí estão, na íntegra, alguns dos pensamentos de um dos poucos representantes direitistas do nosso rock independente.

A cena musical atual está dividida entre pessoas que trabalham com a música e pessoas que usam a música para encher o saco.

Eduardo Ladeira – vocalista, guitarrista

Ladeira hoje: acordes para Cristo sem dispensar o bom e velho Iron Maiden (Instagram pessoal)

RC – Você se considera um legítimo “reaça do rock”?

EL: Eu não me considero um legítimo reaça de nada. Na verdade, existe o pensamento reacionário, que é uma linha doutrinária, assim como existe o pensamento conservador o pensamento liberal, libertário, etc., mas as pessoas não têm nenhum compromisso com isso, pois nunca leram os autores que norteiam tais doutrinas. O que existe hoje são slogans, cuja finalidade é encerrar o debate. Então, se o sujeito discorda de outra pessoa e não quer trocar argumentos, lança mão de uma dessas palavras mágicas para calar o debate, simplesmente. Então, para se chamar alguém de reacionário, é preciso entender o que é o pensamento reacionário e linkar as atitudes dessa pessoa a essa linha de pensamento. Se entender a fundo o assunto, verás que muito cara que venha a me taxar como reacionário é muito mais reacionário do que eu.

RC – Por que você acha que os assim chamados de reaças citados aqui são normalmente massacrados pela mídia e até pelos fãs?

EL: Estamos na tal era da pós verdade. As pessoas criam mitos em torno de tudo, e não estão dispostas a mudar de opinião. Isso se deve, no meu entender, a uma completa ignorância e falta de cultura das pessoas em geral. Somos frutos de uma sociedade que não lê, que não estuda, que obtém informações em mídia social, fast food. Perdemos o contato com os clássicos, com a filosofia. Hoje taxamos os outros de forma descomprometida. Veja o exemplo do governo brasileiro. Foi taxado como fascista antes mesmo de entrar em ação. Aí, após quase três anos, nada corrobora o tal fascismo, mas ainda se fala disso. Outro exemplo; se chama muito o Olavo de Carvalho de terraplanista. Mas o cara nunca defendeu essa teoria. Aí, pessoas que nunca leram um trabalho sequer dele viram críticos da obra dele, sem ler. É o culto absoluto à ignorância. As pessoas precisam voltar a ler, raciocinar, questionar as coisas, com razão e respeito. O que temos hoje são slogans e lacres. Chamar determinado artista de reacionário é tentar calar e descredibilizar alguém que pensa diferente de você. Outro dia ouvi um absurdo difícil de engolir. Camarada disse que se o cara é roqueiro e de direita, ele não entendeu nada. Bicho, olha o nível da idiotice desse raciocínio. O rock é sobre liberdade, sobre auto determinação. O camarada que acha que o rock tem como objetivo te engessar em uma linha de pensamento, em uma linha ideológica, é uma besta tão quadrada que chega a dar pena. A pluralidade de ideias é uma questão básica para qualquer sociedade, e evolução da nossa existência. E infelizmente, estamos na contramão desse processo, e a culpa não é dos taxados como reaça. A criação da verdade única aprovada pelo Ministério da Verdade está longe de ser obra desses artistas.

RC – Nesse contexto turbulento, podemos acreditar numa volta da Lobos de Calla ou a banda perdeu o sentido de existir?

EL: A Lobos não perdeu o sentido de existir, mesmo por que a Lobos nunca esteve amarrada a nenhum movimento. A Lobos sempre focou na arte, na poesia e na reflexão. Nossos questionamentos no campo político sempre foram voltados às mazelas sociais, à cultura da picaretagem, e nunca atrelados a lado A ou B. A Lobos nunca foi queridinha da patota, nunca foi popular na tal cena, justamente porque muita gente torceu o nariz pra nós, por não sermos propagandistas de pauta da lacração. Tem banda que acha mais importante questão identitária dos integrantes que a qualidade das músicas. E nós nunca entramos nessa. Na Lobos, nunca houve unanimidade de posição política. Sempre tivemos caras de esquerda integrando a banda comigo, que sou de direita. E não só fizemos um trabalho totalmente descomprometido com qualquer linha ideológica, como mantenho ex integrantes como grandes amigos. Não todos, claro. Sempre tem um ou outro que fica mais bobo e vai pra essa linha do cancelamento. Mas em geral, somos grandes amigos, respeitando nossas diferenças. E o que o cenário da lacração pensa ou deixa de pensar do meu trabalho jamais será um impeditivo para o meu processo criativo.

RC – Qual sua visão sobre a cena musical mineira atual, da qual vc querendo ou não faz parte (ou fez).

EL: A cena musical atual está dividida entre pessoas que trabalham com a música e pessoas que usam a música para encher o saco. O mercado musical está pouco se lixando para a lacração. Isso é nítido. Então, existem essas bandas de gueto, que focam mais em certas pautas, que na música, como eu disse na resposta anterior, e não têm relevância absolutamente nenhuma no cenário geral. E existe o mercado da música, que realmente mobiliza público. Infelizmente, o rock não figura mais nesse mercado, pois a turma do rock andou pra trás. Existe um emburrecimento visível nesse meio, e é um emburrecimento autoritário. É um emburrecimento que te obriga a ser burro igual, senão você é um cretino. Ou você é da patota ou você é o inimigo. E as pessoas comuns, que não fazem parte de movimento, que querem só trabalhar, criar seus filhos e se divertir uma hora ou outra, não irão se conectar com esse pessoal rebelde sem causa. O rock hoje, no Brasil, virou um reduto de músicos ruins, sem nenhum talento pra compor, que usam a música como escada para expor pautas e misturar política no meio. E tomam bomba do público. Lógico. Se você pegar a banda mais famosa de rock do Brasil hoje, das atuais, e for ao interior e perguntar às pessoas, ninguém nunca ouviu falar. Não tem relevância. Esse povo está muito chato. É claro que existe uma ou outra banda boa por aí. Mas mesmo elas caem nesse truque de “fora isso” ou “viva aquilo”, como se isso fosse um carimbo do “sou legal, pode me ouvir!”. Essas coisas enchem o saco. Música pra mim é som. É isso que importa. E o som da turma anda bem fraco. Sad but true.

E pra você, quem são os maiores conservadores do rock hoje em dia? Comente aí embaixo!

Marcos Tadeu

Marcos Tadeu

Jornalista, idealizador e apresentador do Rock Cabeça na 100,9 FM, Rádio Inconfidência FM (MG) desde 2016. Acima de tudo, um fã de rock gringo.