Ed Sheeran em BH: overdose de bom mocismo

Ed Sheeran em BH: overdose de bom mocismo

Ir ao show do Ed Sheeran é mais ou menos como entrar no cinema e descobrir que o filme é um musical. Com o agravante de que é um musical …. para crianças.

Ok, pessoal, alguns vão me defenestrar dizendo que eu não gosto do cara. Bom, eu juro que tentei. “Shape of you” é uma faixa realmente boa e, a partir dela, fiquei imaginando que Ed Sheeran finalmente houvesse desenvolvido a sua própria identidade. Nunca estive tão enganado, como pude comprovar no show dessa terça-feira, pela turnê “Divide”, em Belo Horizonte. Quer saber o porquê? Continue lendo (se tiver estômago):

Público estéril

Diga-me quem é teu público e te direi quem és. Bom, o público que compareceu à Esplanada do Mineirão me espantou pelo fato de que pareciam clones de Ed Sheeran nos mais diversos formatos. Boys com sobrancelha e barba contornadas milimetricamente, garotas cadavéricas que pareciam ter comido um iogurte light no café da manhã como última refeição antes de divar na pista premium.

Crianças, muitas crianças devidamente caracterizadas de azul (a cor símbolo do último álbum), acompanhadas dos pais que pareciam mais aproveitar uma terça à noite sem lavar pratos do que o fato de assistir a um show de Ed Sheeran.  Acima de tudo, uma atmosfera estéril e sem graça, onde blogueiros e blogueiras estavam mais preocupados em fazer uma ótima selfie do que com a música que soava no palco. Um show em que a música ficou em segundo plano.

Ed Sheeran: carisma de uma ostra

Ok, mas não estamos aqui para falar do público – apesar de que, nesse caso, a música também não ajude tanto. Bom, eu não sabia que o cara iria encarar um show na base de voz e violão. Embora, como disse anteriormente, o público estivesse longe de ser exigente. Enfim, Ed Sheeran subiu ao palco religiosamente às 21h com um violão tão poderoso que passava a impressão de que havia uma banda escondida em algum lugar do palco. Adicione-se a isso um telão tridimensional que jorrava vídeos a cada canção e pronto: tem-se um legítimo show de Ed Sheeran.

O cara até se esforça: sobe nas caixas de som, joga o violão para trás, emula um rapper, tenta conversar com o público e tudo mais. E consegue. A presença de palco de Ed Sheeran é um fenômeno, apesar do carisma de ostra que ele ostenta: um feio exótico e tímido que tem nos braços cobertos por tatoos seu principal atrativo. Alguns se perguntariam: o que é que essa gente viu nele?

Enfim, vamos falar da música

Como artista, Ed Sheeran daria um ótimo guitarrista de apoio, nada mais que isso. Por algum tempo eu achei que a base do violão estava pré-gravada, já que o cara começava a dedilhar uma música e, de uma hora para outra, jogava o instrumento para o lado enquanto os acordes milagrosamente continuavam. Fãs menos indignadas que eu me explicaram na ocasião: “É que ele toca um trecho, grava e repete enquanto ele canta”. Ah, bom. Confesso que não sei como se faz isso, mas a partir dessa informação, tive um pouco mais de boa vontade com a performance, pois se o cara tem cabeça para tocar, gravar e repetir, é porque ele tem alguma razão.

E razão é o grande problema do show de Ed Sheeran.  O virtuosismo impede – e talvez seja essa a intenção – que nos atentemos mais demoradamente às canções. Essas, por sinal, são essencialmente monótonas e sem graça. Uma lamúria eterna só comparada à sofrência, esse “gênero musical” tenebroso que assola o país. Ok, há também músicas mais “pesadas” que, entretanto, inevitavelmente se transformam numa barulheira infernal e irreconhecível.  Para piorar, o telão que explodia vídeo-clipes deixava tudo com a aparência de um DVD no repeat durante festas de aniversário, quando a tia aparece para diminuir o volume porque não dá pra ouvir a conversa.

Chutando Nina Simone

Os blogueiros já iam lá pela vigésima selfie e o décimo energético quando Ed Sheeran partiu para a parte mais ousada do set. Uma versão de “Feeling Good” de Nina Simone, número que o Muse já incorporou à tradição de seus shows. Subitamente, eu me vi diante de um ato de necrofilia. Sheeran chutou o túmulo de Simone e não só mudou o tom e os acordes, como deixou claro uma coisa: “eu não tenho nada a ver com essa música”.  Ou seja, um lixo de proporções estratosféricas, um crime em plena Pampulha que obviamente passou despercebido pela grande parte do público.

De quem é a culpa por Ed Sheeran?

edtaylor

Somos todos culpados pelo sucesso de Ed Sheeran.  Jornalistas, blogueiros, serviços de música via streaming, YouTube, Taylor Swift, filmes de qualidade duvidosa (“Como eu era antes de você”, arg) e o escambau.

Falhamos miseravelmente quando deixamos essa garotada se inebriar com uma cópia mal feita de Damien Rice – a quem o próprio Sheeran atribui sua carreira. Falhamos quando deixamos essa criançada acreditar que o mundo tem que ser tão asséptico quanto o tropeiro vendido no Mineirão nos dias de hoje: dentro de uma a caixinha e com ingredientes todos bem partidinhos. Morremos quando deixamos os jovens entenderem como música algo tão sem alma e sem autenticidade, pelo simples fato de que aparenta ser palatável aos ouvidos. Morremos de novo quando  o mise en scène  se tornou mais importante do que a música.

Essa garotada que acha que “Feeling Good” é apenas mais uma faixa de Sheeran e que “Black Hole Sun” é a única música famosa de Chris Cornell está completamente desamparada – e  o pior é que tem muita gente lucrando com isso.




Também foi ao show de Ed Sheeran? Conta pra nós o que achou. 

Marcos Tadeu

Marcos Tadeu

Jornalista, idealizador e apresentador do Rock Cabeça na 100,9 FM, Rádio Inconfidência FM (MG) desde 2016. Acima de tudo, um fã de rock gringo.