“Esperas”: Caetano encontra Escher na estreia de Pedro Laureano
As combinações entre rock e a música popular brasileira nem sempre deram muito certo. Uma das exceções à regra é justamente Caetano Veloso, um artista que, até hoje, tem a capacidade (ou seria, talento puro e simples) para açambarcar em sua música gêneros tão diversos como rock, pop, mpb, bossa e samba – e contando… E é dessa linhagem acessível, democrática e, ao mesmo tempo, genial que chega para nós o carioca Pedro Laureano, com seu mix providencial de psicanálise, artes visuais, música e, claro, um toque de protesto, afinal, estamos em 2020, a era da gripezinha.
Anteriormente conhecido apenas por canções de sua autoria interpretadas por Antonia Adnet, Dora Morelembaum e Vicente Nucci, agora o carioca Pedro Laureano faz sua grande estreia em “Esperas”, seu primeiro álbum, que traz uma paleta de influências que vão do heavy metal ao erudito, passando pelo maxixe. O trabalho tem produção do amigo Pedro Sá e conta com colaborações de Arto Lindsay, Zé Ibarra (Dônica) e Jonas Sá.
As composições foram nascendo das influências que tenho, que vão desde a música brasileira passando pelo rock a música erudita até algumas coisas do heavy metal. Acho interessante pensar esta confluência de estilos. De qualquer forma, é um primeiro trabalho que acho que reflete isso tudo, além das letras terem, muitas vezes, um tom de reflexão, ou mais filosófico, ou então mesmo de protesto
Pedro Laureano: cantor e compositor
Música e psicanálise
Professor universitário e pesquisador das relações entre psicanálise e arte, Laureano busca a convergência de temas como diferencial do seu trabalho. Em 2018, lançou um EP de compositor com produção de Antonia Adnet. Pedro cantava somente uma das faixas do trabalho, que também contou com os vocais de Antonia, Dora Morelembaum e Vicente Nucci. O primeiro passo para o desenvolvimento do seu disco de estreia, cuja gravação foi iniciada logo na sequência. Para o artista, foi uma premiere tardia, que resultou de um longo processo de maturação acadêmico.
É uma estreia tardia depois de ter passado décadas compondo, mas sem gravar. É uma consequência também do trabalho dentro da academia e na articulação entre psicanálise e arte, já que as letras e mesmo as músicas são marcadas pela articulação entre as duas coisas. Inclusive a capa feita pela Celina Kuschnir, que representa duas bandas de Moebius, é uma simbolização desta relação, já que a banda de Moebius é utilizada tanto na psicanálise quanto na arte, através das obras da Lygia Clark e de quadros do Escher.
Pedro Laureano
Como em “Esperando Godot“, a famosa e seminal peça de teatro de Samuel Beckett, o “Esperas” de Pedro Laureano propõe muitos diálogos: alguns constrangedores, outros necessários. Porém, todos inevitáveis dentro da sociedade em que vivemos e purgamos nossas dores hoje em dia, submetidos a um governo que não se furta a flertar com o fascismo sempre que pode.
2 toques com Pedro Laureano
RC – O que a psicanálise tem a contribuir para a música e vice-versa?
PL – Acho que a música e a psicanálise se tocam principalmente em relação à questão do inconsciente: a musica desperta afetos primários, primitivos, que têm bastante a ver com a psicanálise, com a proposta dela de falar sobre o inconsciente, o lado “escondido” da subjetividade. Nesse sentido, a música é quase um mecanismo de desrecalcamento, isso é, de acesso direto a sentimentos e pensamentos que tivemos que perder de alguma forma para nos organismos psíquicamente e socialmente… por isso acho que a música é tão forte.
RC – Quais as questões você espera levantar na sua audiência com as letras do seu álbum de estreia?
PL – As letras acho que são bem existenciais, elas colocam questões a respeito de coisas como nascimento, morte, tempo, e também tem uma pegada bem política de certa forma que atravessa o disco todo… Talvez seja necessidade mesmo de elaborar o momento atual também, de expressar a insatisfação com o mundo atual mesmo. Pensei muito nas letras do Bob Dylan, do Chico, do Roger Waters também enquanto terminava as letras…
Confira o disco “Esperas” de Pedro Laureano:
Ficha técnica
- Produção: Pedro Sá
- Técnico de som, Mixagem e masterização: Leo Moreira
Faixa a faixa com Pedro Laureano
Faixa-a-faixa, por Pedro Laureano:
Moreno: Faixa que fala sobre morte/perda. O eu lírico seria (imaginei) uma mulher. Arranjo me remete, de alguma forma, a algumas coisas do Radiohead.
Desassossego: Era um choro, e para o disco virou um maxixe. Possui três partes, muito levada pela cozinha (baixo e bateria). Letra fala vagamente sobre o momento político atual.
Barco de papel: Faixa quase progressiva, cantada pelo Zé Ibarra, sobre um astronauta. Tom meio épico, fala sobre repetição na diferença.
Tudo vai passar: Um samba rock meio pesado, numa onda mais rifada. O riff foi o Pedro Sá que fez, é uma leitura dele de um samba que eu tinha. A letra fala sobre finitude e vontade de fazer coisas.
Será que eu sigo?: É um rock com harmonia/estrutura de samba, mas tocado como rock. O Arto Lindsay fez uma guitarra distorcida/noise que combina bem com o tema, sobre o cenário atual. A letra é política mas introduz dúvida no eu lírico.
É o fim: Faixa que chamamos, brincando, de “Sabbath”, já que gostamos de Black Sabbath e é uma faixa mais pesada. A letra é sobre fascismo.
Onda nova: É um samba meio psicodélico, com letra otimista.
João: Faixa que fiz para meu filho, João, que nasceu junto da concepção do disco. Uma balada meio rock, a letra filosofa sobre nascimento.
Esperas: Música que fiz há 13 anos atrás, quando tinha 25, e que batiza o disco. A letra é vaga, a mais poética do disco, menos narrativa. A ideia de esperas e dela ter esperado tanto para ser gravada dialogam. A música remete a Clube da Esquina, ou até a Pink Floyd/Zeppelin um pouco.
E então, o que você achou do álbum de Pedro Laureano? Conta pra nós aí nos comentários!