Evan Dando no Brasil – A balada do louco

Evan Dando no Brasil – A balada do louco

Enquanto nós, como nação, cedemos o que temos de pior, ou seja, um ex-presidente fascista, para os Estados Unidos, quase simultaneamente os Estados Unidos nos cederam, por tempo indeterminado, um dos artistas mais completos e únicos que a cultura pop já teve notícia. Sim, nessa “transação”, por incrível que pareça, o Brasil saiu na vantagem ao se livrar de Bolsonaro e trazer para cá ninguém menos que Evan Dando. E o que é mais incrível, algumas dúzias selecionadas de desavisados fãs de rock independente tiveram a honra, na última sexta-feira, de presenciar o que seria a primeira aparição pública do front man dos Lemonheads em um palco não só no Brasil, mas no ano de 2023.

Vem cá que eu te conto mais este capítulo da nossa saga “Evan Dando no Brasil”.

Foto: Alexandre Vianna

27-01-23 – Não só um show do Twinpines 

Foi muito bom! Eu nem tava sabendo que ia rolar isso, então foi um choque”. Pedro Paiva estava na pequena, mas honesta casa FFFront, na Vila Madalena, para mais uma vez curtir um bom show de rock, quando se deparou com um cara de mochila e vestido branco, o skate nas mãos, fazendo o percurso da entrada da casa até o palco, guiado pelo onipresente Lirinha, enquanto a banda da noite, Twinpines, vislumbrava a cena improvável após entregar um set autoral com pelo menos 8 faixas amalgamadas em 20 anos de contribuição para o underground. Apesar do espaço reduzido, a casa tem um cuidado especial com os equipamentos e a acústica, o que a torna um ponto de encontro para os amantes de sons diferenciados. 

“Rudderless” (video por Pedro Paiva)

Enquanto a banda mantinha o suspense – sim, eles já haviam ensaiado com aquela pessoa misteriosa em uma ou duas sessões, porém não podiam revelar o feat. por questões contratuais que sujeitam o artista a multa – não demorou para que o próprio público denunciasse, entre tons de emoção e afobação, a verdadeira identidade de quem chegava: “É o Evan Dando dos Lemonheads!”. Posicionando seu skate à sua frente, sobre o palco, Evan, ao lado dos orgulhosos integrantes da Twinpines, deu início ao que seria, talvez, o feat. mais longo da sua carreira, brindando o público incauto com cerca de 15 músicas do setlist habitual dos Lemonheads, mais covers improvisadas no calor do momento.   

Primeira versão do set list que também incluiria:
Luka (Suzanne Vega)
Being Around
My drug buddy
Hate your friends
Rest assured
The hard drive
Style
Different drum
Green eyes (Husker dü)
TV eyes (Stooges)
Here comes a regular (Replacements)

O editor e também fanático por skate Marcelo Viegas, que já havia tido o prazer de assistir a um show de Evan solo em Paris, descreveu a emoção do bis inesperado. “Foi emocionante e surreal. Dá pra dizer que vai entrar pra mitologia da noite paulistana. Sabe aqueles causos que são contados e aumentados com o passar do tempo? Tenho a sensação de que será esse o caso. A voz do Evan talvez não esteja mais tão doce quanto antigamente, mas tem uma beleza na aspereza que ela adquiriu. Tem história ali”, relata.

“Being Around” (video por Marcelo Viegas)

A primeira aparição não oficial da era brasileira de Evan Dando 

Enquanto tenta se lembrar de cada uma das músicas que Evan Dando tocaria naquela noite, o que extrapolou, e muito, o que foi combinado e ensaiado entre ele a sua banda, o ilustrador e baterista da Twinpines – um dos principais responsáveis pelo feat. dos sonhos – Magoo Felix tem dificuldades em descrever a experiência da última sexta.“Estou anestesiado, para mim não caiu a ficha”, diz ele, que dominou muito bem a cozinha em clássicos como “Into Your Arms” e “Rudderless” – a tal faixa de “It’s a shame about Ray” que traz uma linha criada pela mãe exemplar Susan Dando.

Foto: Alexandre Vianna

“A minha grande paixão é esse rolê alternativo, e vinte anos atrás, eu e minha banda ensaiávamos Lemonheads no quartinho dos fundos da casa do vocalista e a gente nunca imaginou primeiro que a banda duraria vinte anos e que um dia estaria no palco tocando Lemonheads com o próprio Lemonheads”.

Magoo (Twinpines)

Magoo e sua Twinpines também certamente não imaginariam que fariam parte do primeiro show não oficial da era brasileira de Evan Dando, presenciando um momento de plena felicidade do artista, uma espécie de felicidade genuína e jovial, comumente interpretada como loucura ou “under the influence”, conforme explica a sua namorada Antonia Teixeira: “Eu ainda fico chateada porque muita gente acha que ele tava doidão e ele nem tava, é o jeito dele, ele tava normal e super feliz”, conta satisfeita. Segundo ela, um dos motivos para a felicidade seria um brinquedinho novo que ele comprou aqui: “ele comprou uma guitarra sem marca que está amando. O cara que vendeu, um bom luthier de São Paulo, acha que é uma Giannini, mas não tem marca, ela é brasileira”.

Vale lembrar que, desde o desembarque em terras brasileiras, Evan transformou o recanto dos Teixeira numa espécie de estúdio de gravações com vistas a desenvolver sons que muito provavelmente venham a aparecer no próximo álbum dos Lemonheads ou mesmo em suposto projeto envolvendo fitas cassete.    

Foto: Alexandre Vianna

Voltando ao show, Evan demonstrou que é uma jukebox ambulante de canções dos Lemonheads, mandando ver em um set list que englobou hits de todos os seus álbuns mais famosos dos anos 90, incluindo pérolas da era Taang! e, claro, as covers arroladas no calor do momento, que sempre tornam único o show. ““Green Eyes”, do Hüsker Dü, foi um momento bonito de se ver e ouvir”, destaca o, acima de tudo, fã de Lemonheads Viegas. E o melhor de tudo é que a performance da noite foi embalada com tricks and treats, como  durante “The Outdoor Type”, em que Evan vai para a galera transformando seu doce e austero timbre de voz em gutural por segundos. Isso sem mencionar o “outfit” escolhido para a simbólica noite: vestido branco, bermuda e tênis all stars de cano longo.

Fechado o set da noite, engana-se quem acha que Evan correu para seu camarim a fim de receber celebridades e gente diferenciada com goladas de champagne e lufadas de drogas. Pegou seu skate e rumou para a rua Sucupira até chegar ao estacionamento. Isso depois de ter feito algumas manobras em frente à casa noturna. Não é que Evan seja visto exatamente doidão, Antonia, mas a duas doses a mais de lucidez em relação a quem só esperava consumir um entre tantos shows de rock e algumas long necks antes de ir para casa após um dia cheio de trabalho. Já cantava Arnaldo Baptista (dos Mutantísss, como pronuncia Evan): 

Dizem que sou louco por pensar assim

Se eu sou muito louco por eu ser feliz

Mas louco é quem me diz

E não é feliz, não é feliz            

“Balada do Louco” – Os Mutantes

Calma, Evan solo vem aí 

Foto por Regis Bezerra
Foto: Regis Bezerra

Embora a decepção de muitos que só se deram conta da aparição surpresa de Evan após o show consumado se misture ao êxtase de quem estava no lugar certo, na hora certa; já sabemos que uma tour está sendo negociada para o início de março em algumas das principais capitais brasileiras, com o show de estreia em uma unidade do SESC-SP (a ser definida) engatilhado como o grande comeback do roqueiro grunge ao país desde 2004. E o que nos espera? Uma cover de “Romaria” de autoria do seu sogro? Um robalo pescado especialmente por ele em Ubatuba no couvert?

As apostas para que um Evan de vestido venha a nos receber na porta com seu skate estão grandes: enquanto ele estiver se divertindo, louco é quem diz e não é feliz.  

Continua………

 

Marcos Tadeu

Marcos Tadeu

Jornalista, idealizador e apresentador do Rock Cabeça na 100,9 FM, Rádio Inconfidência FM (MG) desde 2016. Acima de tudo, um fã de rock gringo.