Evan Dando no Brasil – um Lemonhead ao telefone
Continuando nossa série que vou batizar de “Evan Dando no Brasil”, quem diria, o que tenho para dizer é, acreditem ou não, Evan Dando me ligou. Sim, há pouco, por meio de uma chamada de vídeo feita pela Antônia, que, como vocês sabem, trata-se de sua namorada-noiva. Mas antes de eu revelar o conteúdo da call, inevitável fazer algumas divagações. Venham comigo.
Conhecendo e lidando com gente famosa no jornalismo musical
É angustiante trabalhar com jornalismo musical, aliás, qualquer tipo de jornalismo que envolva contato mais ou menos direto com um monte de gente “famosa” e reconhecida (entre as quais ao menos uma meia dúzia fatalmente estão na sua antiga cota de ídolos). Isso porque ao mesmo tempo em que você tem no seu celular cerca de 100 contatos com grau de separação 1,5 de Kevin Bacon, você tem a porcaria da sua ética profissional que te manda se conter a toda hora e guardar só pra vc todos as impressões – boas e ruins – relacionadas a determinadas figuras, bem como seus dados pessoais.
Mas nem cheguei à parte verdadeiramente angustiante que é a tal da expectativa: o ofício jornalístico confere, digamos, uma “aura” de importância para o ato da entrevista – que serve para nos defender da galera mais enjoada de conversar (que também não vou contar quem são) mas que, por outro lado, a gente tende a querer extravasar pro campo da amizade quando a admiração é simplesmente grotesca demais para ser guardada na gaveta conforme a matéria vai ao ar.
Se o contrário nem sempre é agradável, ou seja, artistas que tentam se aproximar a todo custo, a ponto de me pedirem favores escrotos inclusive; sou obrigado a acreditar que um jornalista tentar se aproximar dos seus ídolos, velhos ou novos, também não deve ser lá essas coisas….E nesse território minado, é óbvio que a gente acaba fazendo alguns surpreendentes bons amigos que tão aí na mídia mas que não têm o menor problema em gastar parte preciosa de seu dia nos explicando porque acham que Radiohead é tão ruim e Coldplay ainda pior.
Mas a gente também se enrosca na própria vaidade com o overthinking imaginando e até stalkeando se a pessoa gostou ou não da reportagem, se compartilhou ou não (se não compartilhou é porque é foda demais e eu sou pequeno, jamais porque às vezes a pessoa simplesmente não teve vontade ou tempo de ler). Fato é que tenho na memória milhões de histórias para serem contadas e ao mesmo tempo outras milhões que ainda quero poder contar, mas tenho que encarar a verdade de que é humanamente impossível separar o pessoal do profissional por mais que 15 minutos de fita rolando. Quem sabe um dia.
O fascínio pela música dos Lemonheads
Como colecionador incorrigível de cd’s, dvd’s e vinis, desenvolvi, ao longo da vida, o hábito de procurar títulos que ainda não existam na minha estante de mais de 2.500 itens. Se você imaginou que é praticamente impossível encontrar algo que eu ainda não tenha, acertou. Por isso eu limito a procura a uma banda em específico: Lemonheads. Quando acho uma loja de discos, a letra “L” é sempre a primeira que busco. Assim também acontece na internet, em que o cache dos principais sites já digita por mim “Lemonheads” ou “Evan Dando”.
E essa sanha ocorre desde os meus 15 anos de idade (tenho 43, então faça as contas), ou seja, essa procura passou a ser parte da minha identidade, assim como absorvi na caminhada toda a espécie de trejeitos e influências do que imaginei como o lado cool, aliás, o único lado deste ser de nome Evan Griffith Dando, o que inevitavelmente me levou a ser um cara mais romântico e melancólico do que o necessário, é verdade, uma persona que só se fortaleceu quando eu pude assistir dois shows dos Lemonheads no Brasil (97-04).
Encontros virtuais quase reais
Como tenho uma carreira paralela em Marketing Digital, minha primeira intenção ao fazer uma grande reportagem sobre os Lemonheads era ranquear meu site, ou seja, me tornar uma referência no assunto perante o Google. Assim, como numa pescaria (algo que Evan curte muito, pelo visto), pesquei alguns peixes graúdos que nadavam leves e soltos pela World Wide Web como Ben Lee, John Sthrom, Ben Deily, Kenny Lyon e David Ryan…. mal poderia prever que eu estava próximo de “pescar”, também, uma das pessoas mais presentes em minha vida nos dias de hoje, ainda que no meio virtual, Susan Dando, a carinhosa mãe que se demonstrou acessível em níveis absurdos.
If he could talk he’d tell me – and he could
Voltamos à call, pois eu sei que esta é a parte que vocês queriam. Como não se sabe, escrevi o primeiro artigo desta série no ímpeto de “furar” a mídia do ctrl c + ctrl v com as informações que eu tinha coletadas, pensando nos textos baseados no contato entre Evan e a família de Antônia já publicados que me “roubavam” essa espécie de exclusividade.
Não houve tempo de entrevistar Evan – até porque ele prefere dar entrevistas apenas durante a divulgação de sua tour por aqui – mas mesmo assim eu acreditei que tinha um bom material, e os feedbacks positivos que tenho recebido desde então confirmam isso.
Mas confesso que receber um feedback do próprio Evan Dando não era uma coisa que eu esperava. Aliás, nunca esperei nada dele além da possibilidade de entrevistá-lo um dia, até porque é um cara que já me deu e dá tanto por meio da arte que produz, principalmente a sensação de conforto. Por isso ao receber, na hora do almoço, uma ligação de vídeo me tirou do eixo e, por mais que eu tentasse nadar rumo ao meu módulo 15 minutos de fita rolando, eu não conseguia chegar. Deu branco.
Um Lemonhead ao telefone
Ter tido a oportunidade (que eu espero ter sido a primeira) de estar com o Evan por alguns minutos, me escutando, me trouxe a impressão de que eu estava falando comigo mesmo. Parece que quando a gente idealiza tanto uma pessoa, é muito difícil desvencilhar dessa imagem no momento em que estamos frente a frente. E eu confesso que atribuí ao Evan todas as características que eu gostaria de ter, e que eu achava ter. Beleza, talento, sucesso, estilo… Vê-lo cara a cara foi como ver a minha imagem no corpo de outra pessoa, sabe, como naqueles filmes pastelões de troca de corpos.
Mas diferente de mim, logo percebi que se tratava de um cara humilde, na verdade, uma criança (no bom sentido, claro). Com as palmas das mãos juntas, ele me agradecia ao artigo, confirmando que estava realmente muito feliz no Brasil enquanto abraçava o colo da Antônia (quase que infantilmente). Tentei balbuciar algum inglês – que tende a me escapar nessas horas – perguntei quais palavras em português ele sabia….No que ele olha pro teto à espera de uma cola da “professora” que lhe sopra: você sabe falar “cala a boca”…. Tentando se superar, ele fala que aprendeu a falar “Mutantes” e eu emendo perguntando se ele curtia a banda, no que ele disse que sim… Bem, enquanto Antônia fazia o papel providencial da intérprete, eis as informações que a emoção me permitiu coletar:
- Turnê no Brasil em março/23 não se restringirá a São Paulo, passando por cidades como Curitiba e Porto Alegre, estando BH sendo cogitada, tudo ainda a ser confirmado;
- Evan pretende gravar por aqui um disco de jazz (isso mesmo, para quem não sabe, Evan tem algumas incursões no jazz como a performance de “Solitude” de Billie Holiday);
- Repertório dos shows solo por aqui não será o mesmo da última turnê (a saber, álbum “It’s a shame about Ray” tocado de cabo a rabo) – ao dar essa informação talvez eu tenha soltado um “ainda bem”, no que ele riu demonstrando que também não tava a fim de repetir o repertório.
E foi o que consegui antes de Evan se desconectar e mirar sua atenção em outra coisa. Quem sabe, outra canção, outro som, outro ruído,…. Depois de 43 anos sendo Evan, bastaram 5 minutos para que eu finalmente pudesse ser somente eu. Continua —->>>>