Evan Dando no Brasil: I’ll do it anyway
“Forever old rockers never die they just end up painting and narrating forensic file type shows“. A frase dita por Evan Dando em sua entrevista exclusiva para o Rock Cabeça me voltou à memória durante os dois shows solo no Sesc Avenida Paulista em São Paulo da semana passada. Pois, após conhecê-lo pessoalmente, tive certeza de que, ainda que venha a se aproximar do fim da sua carreira, ele jamais faria um reality show. A sua vida já é um reality show a que eu tenho assistido desde os meus 15 anos e no qual tive, digamos, o privilégio de participar ligeiramente neste intenso fim de semana em que a sensação térmica da capital paulista era de uma sauna seca.
Sim, vou contar como foi o set list e a performance, mas em primeiro lugar, tenho que dizer que, em relação a Evan e o universo dos Lemonheads, há muito já perdi a imparcialidade jornalística (se é que vocês ainda não perceberam). Então, se você chegou aqui para encontrar fofocas, intimidades ou qualquer tipo de informação que venha a confirmar tudo o que a grande (e preguiçosa) mídia aparentemente não se cansou de falar sobre Evan, receio que tenha perdido seu tempo. Também irei evitar a todo custo me tornar como um dos tantos admiradores a fim de colher as benesses da suposta proximidade a um rock star diante de terceiros, embora a generosidade de Evan torne isso uma missão dificílima.
Assim como eu realmente gosto da sua mãe, minha confidente amiga Susan, a qual eu não me constranjo a dizer que substitui minha saudosa avó materna Vera Pinheiro – não em termos de idade, que fique claro, mas de disponibilidade, calma e sabedoria – eu tenho Evan e, por que não, também Antonia, na minha reservada cota de amigos. Pessoas (veja, eu disse pessoas) que eu respeito e pelas quais meu apreço é gigante, e muito maior do que o imaginário dos Lemonheads e seus discos que entopem minhas prateleiras. Ademais, peço desculpas antecipadas a cada um deles caso minha intuição taurina venha a me conduzir a algum caminho proibido ou simplesmente errado.
Os shows
Em muito tempo (e olha que eu vou a muitos shows) eu não tenho visto um artista, especialmente ligado ao mainstream, se entregar tanto pelo simples prazer de tocar para uma audiência. Nesse ponto, Evan é quase indomável: quando está em cima do palco, munido de violão e embalado por suas memórias mais doces em formato de música é como se ele renascesse. Eu fiquei pensando que, se eu caísse ali de paraquedas no palco intimista do Sesc sem ter ideia de quem fosse Evan Dando, eu entenderia estar diante de um Ziggy Stardust. Ou de um Gene Simmons. Evan Griffith Dando é a caracterização de si próprio diante de uma audiência, mas tão imenso – e intenso (uma palavra que irão ler com muita frequência por aqui) como Phil Lynnot, romântico como Whitney Houston na irresistível “How Will I know”. Por fim, jocoso como Simon & Garfunkel, emulando a dancinha cafona da dupla no que considerei uma cortesia de Evan à audiência brasileira.
O set list das duas noites englobou os clássicos de sempre: “It’s a shame about Ray”, “Come on Feel” e surpreendentemente “Car Button Cloth”, que eu considero o mais subestimado da sua carreira. Teve também alguma coisa dos “Varshons”, “hits” do seu álbum solo e, mais do que tudo, covers que nos faziam correr para o Google a fim de identificar a autoria. Boa parte era de canções que o formaram musicalmente, como Cheap Trick – “She’s a Whore” (uma que ficou tão linda na sua performance que eu humildemente o sugeriria para uma posterior gravação em estúdio). Com o jogo ganho pela quantidade de clássicos enfileirados e o tempo curtíssimo, Evan preferiu não aprofundar em músicas desconhecidas (ou b-sides), mas se o fizesse provavelmente ninguém iria reclamar, muito menos eu, que sempre aguardei uma versão ao vivo de “I’ll do it anyway”, minha favorita.
Mas não foi só isso. O evento do SESC contou com dois “featurings” que acabaram jogando luz sobre a nova fase de Evan. Na primeira noite, Tex, filho do violeiro Chico Teixeira, subiu ao palco para contribuir com a voz e guitarra na tecnicamente difícil “It’s a shame about Ray” e, adivinhem, “Mrs. Robinson”. A juventude e a garra de Tex acabaram ressignificando o “teenage angst” tão singular da obra dos Lemonheads. Já na segunda noite, o pai, Chico Teixeira, também subiria ao palco, com versões do cancioneiro de Renato Teixeira, como “Romaria”, que emocionaram a todos os jovens incautos ali presentes, inclusive Evan, que “desistiu” de acompanhá-lo diante de tanta magnitude e se sentou ao nosso lado para apreciar o momento. Mais tarde eu contaria para Evan, no seu camarim, que esse encontro seria a manchete da noite. No que ele me respondeu: “já é”.
Os pós-shows
É o que normalmente todos me perguntam – e eu faço um mea-culpa porque eu também costumo perguntar: como é Evan Dando pessoalmente?
E hoje eu direi que é um cara que se esforça. Ele se esforça em ser gentil, ser saudável, ser clean, ser um bom entertainer, ainda que sua mente tortuosa e seus hábitos insistam em lhe atrapalhar. E aqui, eu gostaria de ter uma grande descoberta para contar (ou manter em segredo), mas a verdade é que Evan é uma pessoa forte. De abraço forte. De muita energia. Dentes novos que ele faz questão de exibir. Pequenos olhos e enxergam não só você, mas a sua essência. Evan não se preocupa com a casca, ele vai direto ao núcleo de quem o rodeia, talvez por isso ele vá de um extremo a outro, com eventuais explosões. Com ele, nunca é algo superficial, tudo é intenso e apaixonante, tendo em vista que ele devolve a você qualidades que você nem mesmo achava que possuía, tal como o “heart of gold” que ele me acusou de ter e tanto me emocionou.
Evan não quer viver no passado dolorido. Ele quer movimento. Distância do que lhe faz mal, maior certeza do que lhe faz bem. Hoje, além da companhia da Antonia que teve o nome completo tatuado em seu braço, Evan conta com a família dela, uma família carinhosa unida pela perda e pela alegria, na qual Evan literalmente se arvora buscando a completude das suas próprias perdas. “É assim, louco, mas gente boa” me conta Dylan sobre a convivência com Evan e sua mãe na Serra da Cantareira. Eu, que também sou um broken guy que jamais superou o divórcio dos meus pais, pude, por alguns minutos, como uma espécie de impostor, sentir o alívio que Evan sentiu ao estar próximo de uma família que, além de realmente se amarem, acolhem bem sem ver a quem. Seja um rock star internacional. Seja um jornalista que entrou de penetra no reality show que mudou sua vida.
Eu busquei Evan durante a maior parte da minha vida.
Acabei encontrando a mim mesmo. It’s a shame about Marcus.
Para finalizar, vale destacar que essa aventura retorna no próximo dia 19, quando Evan se ajunta (dessa vez oficialmente) com os Twinpines para um show no Fabrique em São Paulo.
Abertura da banda Plazma, do grande Lirinha Morini. Imperdível.