Um Lemonhead em São Paulo
O grande desafio em se escrever sobre os Lemonheads não é só conseguir entrevistar Evan Dando em pessoa e sim manter algum tipo de imparcialidade jornalística, tendo em vista que minha formação cultural – e até de caráter – é compreendida no intervalo de lançamentos entre “Hate Your Friends” e “Varshons 2”. No entanto, conforme o buzz nas redes sociais aumenta cada dia mais pela constatação de que temos o próprio Evan Dando entre nós, em São Paulo, pela quarta vez em toda sua carreira me obriga a tentar esclarecer o que está acontecendo (e aliviar um pouco a ansiedade).
Afinal, Evan Dando está mesmo no Brasil?
Sim. Ele está mais precisamente em São Paulo, desde o finalzinho de dezembro.
Me explica melhor o motivo deste rolê aleatório.
O motivo principal é um tratamento dentário que, no Brasil, como todos sabem, apresenta vantagens diversas. Evan Dando fraturou os dentes com um microfone em uma das suas apresentações e desde então o incidente vem prejudicando sua fala e estética.
Por que São Paulo?
Porque é o estado natal da sua namorada, que ele já chama de noiva, Antônia Teixeira, filha de Renato Teixeira. Eles se conheceram em Martha’s Vineyard, uma ilha de Massachusetts.
Evan Dando fará shows no Brasil desta vez?
Ao que tudo indica sim, mas ainda não há confirmação. As conversas já se iniciaram e é bem provável que Evan aproveite o longo período de recuperação do seu tratamento para ensaiar e se apresentar por aqui até o início de março/2023, possivelmente em alguma unidade do SESC – SP. Detalhe: o formato é Evan Dando voz e violão.
Bem, esclarecidos os pontos, voltemos à minha matéria.
Por que Lemonheads ainda importa?
Seria muito óbvio dizer que os Lemonheads ainda importam para os fãs – a cada ano mais velhos, é verdade. Mas penso na importância dessa banda – e aí vou além da centralização na figura de Evan Dando – em uma dimensão bem parecida com o que os Replacements deixaram de legado. No início, apenas uns caras que tocavam punk-rock chutado e se rebelavam contra qualquer sistema para aos poucos se tornarem músicos e compositores mais versáteis a ponto de interferirem no universo da cultura pop, incluindo aparições em seriados e filmes. A tríade do indie rock é, ao meu ver, hoje composta por três caras, curiosamente os três frontmen onipresentes em todas as formações de suas bandas, a saber: Evan Dando, J. Mascis e Paul Westerberg. Seguindo esta trilha, você está a pouquíssimos graus de separação de um dos períodos mais ricos do rock contemporâneo.
Para ilustrar o que digo, recentemente a excelente loja Rough Trade de Nova York, na 6a avenida, elegeu “It’s a shame about Ray” como a reedição do ano (2022). E olha que foram inúmeras reedições no ano passado, viu, incluindo “Yankee Foxtrot Hotel” do Wilco.
Evan sempre teve uma mistura interessante entre talento, carisma e inteligência. Quando ele se permite colocar todos esses três elementos em qualquer canção ou momento musical, o cara é imbatível.
Ben Lee
Um lemonhead em São Paulo
Quem acompanha os vídeos postados religiosamente por Antônia desde que assumiu as redes sociais dos Lemonheads provavelmente tem se surpreendido, positivamente, quanto ao Evan saudável e, principalmente, alegre que aparece por lá, andando pela Liberdade, comendo salgados, tomando guaraná… Em uma das últimas postagens, na cadeira de dentista, ele balbucia alguma coisa enquanto demonstra seu boné dos Lemonheads. Em um scanner que expõe toda sua arcada dentária, rimos com a trilha de “Iron man” escolhida, mas também ficamos felizes ao ver que este artista brilhante e que, até então, levava uma vida de excessos, está, afinal, se cuidando, para alegria da minha amiga Susan Dando, mãe extraordinária: “Evan está amando sua visita ao Brasil e está fazendo um excelente trabalho em seus dentes lá também! Que ele vença, vença!”, torce ela, que também tem vontade de voltar a dar as caras por aqui desde que surfou em Búzios.
Embora recluso na paradisíaca Serra da Cantareira, Norte de São Paulo, (sim, a mesma marcada pelo infortúnio dos Mamonas Assassinas), refúgio da extensa família Teixeira que retornou aos holofotes recentemente em função da participação de Renato Teixeira e irmãos de Antônia em “Pantanal”, Evan tem recebido visitas legais por lá. Uma delas foi do músico e roadie profissional Lirinha Morini, que além de ajudá-lo com a preparação dos shows no Brasil, acabou realizando o sonho de conhecê-lo pessoalmente. “P*, foi incrível. Já viramos amigos, trocamos SMS pelo telefone…Ele é engraçado, nos demos muito bem, me adorou. Vou encontrar bastante ainda. Ele vai colar aqui em casa, estamos combinando”, conta Lirinha, cujo trabalho já lhe deu oportunidade de conhecer outros ídolos como Dave Pirner (Soul Asylum) e Peter Hook (New Order).
É bom dizer que, além de cuidar da saúde bucal, Evan está se recuperando de uma das mais longas turnês que já fez, incluindo Europa, na qual tocava não apenas todo o álbum “It’s a shame about Ray”, mas um set list gigantesco de clássicos de todos os discos dos Lemonheads, incluindo, é claro, as covers inusitadas que vão do country ao pop. Resta a dúvida se este também será o set list escolhido para os esperados shows no Brasil, tendo em vista que este ano, quem comemora aniversário é o sucessor de “It’s a shame..”, o abrangente “Come on Feel”. E, se tudo der certo, bem possível que os shows caiam perto do aniversário do próprio Evan Dando (4 de março), uma data simbólica que representa não só o retorno aos palcos no Brasil, mas a revitalização de um gênio da música que sempre teve muito a oferecer.
I love this car pic.twitter.com/wuogpvigSH
— Evan Dando (@Evan_Dando) January 7, 2023
O mérito por esta nova fase, ou melhor, nova era? Não se engane: arrisco a dizer que é todo dela, Antônia, que me obriga a encerrar esta primeira matéria do que espero ser uma série com o velho clichê: “por trás de todo homem forte, há sempre uma grande mulher”. Não fosse por ela ter se transformado numa espécie de estaca contra o vampirismo que circundava Evan, estaríamos hoje emitindo sinais de fumaça para Martha’s Vineyard, esperando que um dia ele simplesmente decidisse largar o seu eterno Summer of Drugs ao lado de marcianos e marcianas para retornar à realidade que ele mesmo construiu. Essa realidade de uma imensidão de fãs que amam sua obra atemporal e, por consequência, o amam da mesma maneira. Sim, é tarde demais para não dizer que eu faço parte dessa galera aí, viu?
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