Othon Palace: consciência de classe e sal na ferida

A cena do rock independente de Belo Horizonte é cíclica. A cada 10 anos, aproximadamente, bandas se desfazem por inúmeras circunstâncias para dar lugar a outras que acabam de surgir – muitas vezes decorrentes dessas lamentáveis “desfeitas” e do vácuo deixado por elas.
Com o fim da Devise e a improbabilidade natural da Young Lights (que acredito ter ficado pequena para o delírio do Jay), eis que o underground se abre para receber uma nova banda propulsora. E por propulsora eu quero dizer com potencial para agregar outras mais e assim constituir um novo ecossistema musical.

Estou me referindo à Othon Palace e seu núcleo composto por Drey (guitarra/vocal), Gustavo (baixo) e Clayton Vilaça (guitarra). Músicos que, como eles mesmos gostam de se apresentar, com certa quilometragem na cena e que agora decidiram investir pesado neste projeto, concebendo desde sua identidade até a logística de shows.
E que shows! Até agora, já se apresentaram de maneira, digamos, “oficial” na Autêntica e na Casa Matriz, que basicamente são os dois palcos onde qualquer banda indie belo-horizontina gostaria de estar e tocar – uma vez que a Obra deixou de sediar shows pouco antes da morte da nossa querida Fernanda Azevedo.
Confira o visualizer de “All I want” da Othon Palace:
O novo single da Othon Palace, “All I Want”, que tem uma vibe “hino” ao estilo The Killers e liga o switcher entre inglês e português é uma bela e irônica amostra do sal na ferida que o (até então) trio quer derramar: a letra, escrita por Drey, fala de uma espécie de Talentoso Ripley, uma figura que ao mesmo tempo em que copia passo a passo da banda, não perde a oportunidade de desancá-la sempre que possível.
É deste sentimento incômodo de uma disputa eterna que vem a representação do “Lango Lango” que ilustra o single. Para quem não sabe ou sequer era nascido, um boneco (horroroso) dos anos 80 que consistia em “esmurrar” a esmo quem quer que fosse.
A música fala sobre relações tóxicas, quando alguém do seu círculo de amizades manipula, te reduz, critica tudo o que você faz, mas parece te copiar em todos os detalhes, como se quisesse ser você. Uma espécie de stalker. É muito difícil perceber isso, então estar dentro dessa situação é uma merda, te envenena! Quando você toma consciência e se livra, a pessoa perde o poder sobre você e se torna uma piada, uma chacota. All I Want é exatamente isso!
Drey
Consciência de classe
No início deste review, chamei a Othon Palace de banda propulsora. Eu, que testemunhei muitas mortes prematuras de bandas ao longo de mais de uma década de jornalismo musical voltado para dar espaço a artistas iniciantes, veja no Othon Palace algo que se perdeu diante da preocupação excessiva desta nova safra com o número de seguidores e streamings: a paixão aliada à consciência de classe.
E por classe não incluo apenas demais músicos, mas todos os personagens estão ao entorno, passando pela mídia, formadores de opinião, perpassando promotores e culminando em produtores. É uma banda que não só vive o sonho de ser um dia famosa, mas que tem vontade de acertar e sabe que para isso precisa contar com a ajuda de absolutamente todos e todas.
E para contar com ajuda neste cenário conservador e decrépito de uma cidade que não se sente mal em reeleger Zema, a Othon Palace sabe que o melhor caminho é ajudar, seja valorizando jornalistas independentes ou bandas que se encontram no que essa geração chama de “corre”. Assim, é normal e salutar que um evento da Othon Palace inclua uma, duas ou até três bandas coirmãs, tendo nesse apoio mútuo entre elas a principal fonte de energia para manter o rock autoral rolando na cidade.
“Win-Win situation”
No fim, todo mundo sai ganhando nessa equação: você que tem o prazer de ler este review, a banda que fica mais conhecida, a casa de show que passa a valorizar o passe dos músicos e os próprios músicos que passam a enxergar um motivo a mais para se entregarem ao trabalho, que é o carinho e a compreensão do seu público. A Othon Palace chegou para ficar e, quem sabe, ressignificar o nome que outrora foi de um dos principais cartões postais de BH.
Reveja a entrevista da Othon Palace para o Rock Cabeça na Rádio Mutante:
E você, conhecia a Othon Palace? O que achou do novo single? Conte aí pra nós nos comentários.